quinta-feira, 10 de junho de 2010

Projeto Matsiko durante o XO CAMP

O Projeto Matsiko foi desenvolvido em Ruanda para introduzir uma abordagem diferente sobre como a aprendizagem acontece.

Baseado no trabalho por Projetos de Aprendizagem, desenvolvido pela prof. Léa Fagundes ( e grupo do LEC) e no trabalho da professora Graziela Nemetz com o 1o ano (na escola Luciana de Abreu-POA), a idéia do projeto Matsiko foi oferecer uma oportunidade para os alunos expressarem suas curiosidades sobre o mundo e realizar investigações sobre assuntos que sejam significativos para eles.  



O princípio do projeto Matsiko é envolver os alunos no seu processo de aprendizagem, desenvolvendo o espírito de investigação e de pensamento crítico sobre as questões que vêm à sua mente.  Como parte deste processo, a nossa intenção foi instigar os alunos a fazerem perguntas sobre coisas que eles são curiosos e, em seguida,  investigar essas perguntas, a fim de compreender como as coisas funcionam ou porque algumas coisas acontecem. 
A criação de experimentos e modelos usando o laptop foi uma forma dos alunos expressarem seu entendimento sobre o assunto e verificar os problemas e as lacunas na sua compreensão. 



Como aconteceu?

Em julho de 2009, a Escola Primária Kagugu selecionou um grupo de estudantes da P4 e P5 para participarem do XO camp durante as férias escolares. O time de aprendizagem da OLPC desenvolveu o trabalho com os alunos 4 horas por dia, durante uma semana. Eu fiquei responsável pelo Projeto Matsiko. 



Para envolver os alunos e instigá-los a expressar suas curiosidades, nós usamos um livro chamado Curiosidade Premiada ou Ibihembo bya matsiko (em Kinyarwanda, língua local). 

O livro conta a história de uma menina muito curiosa, Glória, que sofre de uma doença chamada "curiosidade acumulada". No desenrolar da história a sua família encontra uma solução para ajudá-la: toda a família inicia a fazer investigações. 




No 1o dia do Projeto Matsiko nós copiamos o livro para laptops dos estudantes e contamos a história. Após os alunos ouvirem a história, eles leram sozinhos e tiveram a oportunidade de ver as imagens.

Pouco tempo depois conversamos sobre a história: 

   

 * Você gostou da história? 
    
 * Você conhece alguém que é curioso como Glória? 
    
 * Quem é curioso como Glória? 

A maioria dos estudantes conhecia alguém como Glória, personagem principal do livro: eles mesmos, primos, amigos, irmãos e irmãs.

Em seguida, perguntamos: "Qual é a tua curiosidade? 

Uma vez que todos os alunos começaram a falar e expressar muitas curiosidades decidimos pedir-lhes para escrever apenas uma (a curiosidade mais interessante) na atividade Escrever, no laptop. 

Posteriormente, os alunos leram em voz alta suas curiosidades para a classe. Entre elas estavam:
   1. Por que algumas pessoas são brancas e outras pretas? 
   
   2. Por que as pessoas em Ruanda falam Kinyarwanda e outras falam Inglês? 
   
   3. Por que algumas pessoas em Ruanda falam Inglês? 
   
   4. Por que as pessoas brancas sabem muitas coisas e as pessoas negras não? 
   
   5. Por que algumas pessoas são baixas e outras altas? 
   
   6. Por que algumas pessoas têm narizes curtos e outros narizes longos? 
   
   7. Por que as pessoas negras não têm o mesmo cabelo que as pessoas brancas? 
   
   8. Por que precisamos usar roupas? 
   
   9. Por que as pessoas brancas parecem chinês? 
  
  10. Por que as pessoas de Ruanda têm pele negra? 
  
  11. Porque o chinês é parecido com o japonês? 
  
  12. Por que as pessoas têm cores diferentes? 
  
  13. Por que Deus criou as pessoas com cores diferentes? 
  
  14. Como posso ser rico? 
  
  15. Como posso aprender melhor? 
  
  16. De onde o sol vem? 
  
  17. Para onde o sol vai quando é noite? 
  
  18. Por que não temos sol à noite? 
  
  19. Onde está a terra? 


*** É importante incentivar os alunos a continuar fazendo perguntas (mesmo as perguntas mais simples). A base da descoberta científica é a habilidade de um indivíduo fazer perguntas e, em seguida, mobilizar-se para encontrar a resposta. O desenvolvimento do conhecimento começa com boas perguntas. ***

Considerando que tínhamos um curto período de tempo para trabalhar com o grupo de alunos, além de poucos recursos,  nós decidimos trabalhar com apenas uma curiosidade escolhida pelas crianças.

 Os alunos escolheram a seguinte curiosidade para investigar:  Para onde o sol vai quando é noite? 

 

Como em investigação tradicional, antes da pesquisa, os alunos levantaram hipóteses para essa pergunta e, em seguida, eles registraram a questão e suas hipóteses na atividade Write no laptop.

As idéias prévias dos alunos sobre a questão eram: 

 
   
* Bicu mu Ryihishe. O sol esconde-se no céu. 
    
* Ryhishe inyuma ylukwezi. Esconde-se atrás da lua. 
    
* Rihinduka ukwezi. À noite ele muda com a lua. 
    
* Riba kirere mu riri. Ele vai para o céu. 
    
* Riba ryagiye huko ryikaraga. Ele vai e volta. 
    
* Imbere mu Rijya mubumbo. Ele vai para dentro da terra. 
    
* Rijya mu Yandi masi. Ele vai para outros planetas. 
    
* Rihishaga iriyuma y'umubumbe. Ele está escondido atrás de outros planetas. 

*** 

Registrar a hipótese ou idéias prévias é um passo importante para os estudantes expressarem o que eles sabem, o que eles pensam que sabem e comparar com o que estão aprendendo. Às vezes a idéia prévia faz sentido e é confirmada pela investigação. Às vezes a idéia prévia mostra-se falsa. Mas o registro sempre mostra os pensamentos dos alunos. 
Através deste registro podemos observar como conhecimento dos alunos mudou e o quanto eles aprenderam.
Jean Piaget, que estudou o desenvolvimento das crianças, disse que as crianças são como pequenos cientistas, que estão sempre tentando dar sentido ao mundo ao seu redor. Eles têm um monte de "teorias" sobre como as coisas funcionam. Suas teorias são lógicas e mostram os seus pensamentos. As perguntas vêm das lacunas em suas teorias. Nosso papel é entender esses pensamentos, para tentar fazer uma intervenção tentando colocá-los em contradição, no sentido de orientá-los a chegar a uma explicação melhor por si mesmo. **
*

No 2o dia  do Projeto Matsiko, começamos pela observação do sol e sua posição no céu. Discutimos a posição do sol no céu em diferentes horários do dia. Por exemplo, onde está o sol durante o meio do dia? Onde o sol nasce? Onde o sol se põe?

Durante a observação, duas falsas idéias surgiram: o sol é pequeno e o sol movimenta-se.


Em seguida, para verificar essas idéias, fomos procurar informações na Internet, na Wikipedia e no conteúdo de consulta off-line do laptop.
Encontramos dentro do laptop um livro sobre o sistema solar com várias imagens.


Através das imagens no laptop, os alunos puderam ver que o Sol é maior do que a Terra,  que a Terra e outros planetas giram em torno do Sol e que a Terra gira em torno de si mesma.
Neste momento surgiu uma pergunta: Se o Sol é maior que a Terra, então por que quando olhamos para o céu, ele parece pequeno? Um estudante disse que isso acontece porque o sol está muito longe.

 Então, saímos da sala para verificar se essa informação: Nós fizemos uma experiência para entender porquê as coisas longe se parecem menores. 
Para o experimento, todos os alunos utilizaram a Câmera do laptop para fazer um vídeo do globo. No início do experimento e da filmagem, o globo estava perto e parecia grande. Então, um aluno começou a afastar-se com globo em suas mãos e quanto mais o globo distanciava-se, menor ele parecia.


Através deste experimento, foi possível entender o porquê das coisas distantes parecem menores. 

Outras informações que os alunos encontraram na leitura do livro sobre o sistema solar foi que existem outros planetas. 

Além disso, uma estudante descobriu que a Terra gira para fazer o dia e a noite e leva 24 horas. Em seguida, os alunos utilizaram o globo e um estudante representando o sol, para simular o movimento da terra para fazer o dia e a noite.
No 3o dia nós começamos a usar Squeak / Etoys, uma atividade do laptop XO. A idéia era usar o Squeak / Etoys para que os alunos pudessem representar os seus conhecimentos sobre o sistema solar até este ponto. 

*** Squeak/Etoys é uma linguagem de programação visual para crianças.  Com Etoys, os alunos podem desenhar objetos ou importar de outras atividades e programar esses objetos para executarem ações como girar, mover, som, etc. 
A representação / simulação sobre o sistema solar foi muito importante porque durante o desenho e programação, pudemos ver como os alunos compreenderam o conceito que estávamos trabalhando.***

Para introduzir o Etoys, pedimos aos alunos para desenhar um objeto e, neste caso foi o sol, e para "manter" (este é um "comando" em Etoys) transformando o desenho em um objeto. Sendo o desenho um objeto, as crianças brincaram  com o sol fazendo-o maior ou menor, tirando cópias,  programando alguns comandos, etc.

No 4o dia, considerando que os alunos tiveram o primeiro contato com Etoys no dia anterior, a idéia da atividade foi a de simular os movimentos da Terra. 

Primeiro, os alunos foram para a atividades do laptop Navegador para encontrar a imagem da terra e a copiaram para a moldura. Em seguida eles arrastaram essa imagem da moldura para o Squeak / Etoys.  Na sequência as crianças pintaram o fundo da tela e desenharam/adicionaram objetos como estrelas, o sol, a lua, etc. 

Afim de simular os movimentos da terra as crianças abriram o  "Vizualizador" para localizar os comandos de programação.  Para programar a terra as crianças criaram scripts com comandos de girar. 

Quando eles terminaram a simulação e compartilharam com seus colegas de turma começamos a questionar a simulação com as informações que eles tinham obtido anteriormente. Ou seja, contradições começaram a aparecer!
Entre elas estavam:  a relação entre o tamanho do sol e da terra , os movimentos da terra,  e movimentos criados também para o sol. 

Em função dessas contradições, discutimos mais uma vez quem é maior, quanto maior é o sol, quais são os movimentos da Terra e se o sol movimenta-se.

Também usamos o corpo para simular esses movimentos. 

Os alunos chegaram à conclusão de que o sol é maior do que a terra e  que ele não gira. O sol permanece na mesma posição. É a Terra que gira. Durante a noite, a Terra mostra uma outra face para sol. Isso é o que explica porquê em alguns países é dia e em outros é noite. 

Após a discussão, os alunos voltaram para Squeak / Etoys para corrigir os seus projetos. Eles transformaram o Sol maior que a Terra e a Lua menor que a Terra. Também programaram a Lua para girar em torno da terra e da terra para girar em torno de si e em torno do sol.



*** Fazer a simulação,  programando no laptop, e refletir sobre ela foi um momento precioso da aprendizagem. Antes da simulação no laptop, os alunos pareciam entender os conceitos que estávamos trabalhando. Mas quando eles se expressaram por meio da simulação, eles perceberam que não haviam gaps em sua compreensão inicial. 

Isto significa que foi necessário que os alunos expressassem suas próprias idéias, “by doing”, mesmo cometendo erros. Ao depurar os seus projetos, os alunos enfrentam contradição com as suas teorias anteriores e esta foi uma forma de construir novos conhecimentos. Isso é o que chamamos de erro construtivo.***

No início do 5o dia, último dia do Projeto Matsiko, explicamos que as crianças iriam apresentar os seus projetos para as outras classes. Em seguida, discutimos a conclusão para a pergunta da nossa investigação e preparamos a apresentação. Alguns alunos do Projeto Matsiko foram para outras classes para falar sobre seus projetos, sobre suas questões, hipóteses, conclusão e também para mostrar a simulação do sistema solar em Etoys.

O XO Matsiko Camp terminou com alunos apresentando seus projetos para outras classes.

*** Apresentar os projetos também é outra parte importante da aprendizagem. Quando os alunos são capazes de explicar em suas próprias palavras, eles mostram a sua compreensão.  Além disso, quando os alunos compartilham seus projetos, eles estão compartilhando sua aprendizagem com outros alunos. ***



Outras possibilidades 



 Outra possibilidade do projeto é desenvolver a língua escrita dos alunos em Kinyarwanda e em Inglês. Quando nós proporcionamos projetos envolventes para os alunos, eles lêem e escrevem com sentido. Podemos aproveitar cada momento para incentivar a leitura (e ter certeza de que eles entendem o que lêem) e  a escrita de suas próprias idéias (e não cópia).
Podemos trazer materiais de leitura sobre a questão do projeto para eles lerem.

O registro do processo pelas crianças é muito importante. Se a Internet não é uma possibilidade (uso de blogs, AVAs, etc) podemos usar a atividade Escrever. Começamos registrando a pergunta e as hipóteses, mas em seguida pedimos que os alunos registrem a sua compreensão sobre o projeto. Alguns textos podem ser revisados por conta própria e também com ajuda de colegas (eles podem trocar os laptops).
Podemos usar os erros dos alunos na sua atividade de escrita como um exemplo para ensinar gramática e refletir sobre melhores maneiras de escrever.
 Ou podemos fazer uma correção do texto todos juntos. Podemos perguntar: "Ao invés de escrever isso, como poderíamos escrever para expressar a mesma idéia?

Outra possibilidade é usar o projeto para ensinar algumas palavras em Inglês, já que esse é um desafio para o sistema de ensino em Ruanda. Podemos criar uma lista (pequeno dicionário), com as principais palavras sobre a investigação. As crianças podem criar um dicionário de palavras sucinto no laptop (usando Write, Etoys, memorizar, Record, ou Scratch). 
Se a escola tiver um servidor, podemos criar um blog onde os alunos podem escrever um diário sobre a evolução do projeto (as suas próprias idéias e a sua compreensão) ou mesmo para fazer um relatório sobre o projeto. Desta forma, alunos de outras escolas podem ter acesso. Esta é a melhor maneira para os estudantes que estão começando a escrever para melhorar a sua escrita: escrever para ser lido.


OBS: Eu publiquei esse post originalmente em inglês, no blog da ONG.  http://www.gc4ll.org/?p=4#more-4

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